EM OLEIROS
Neste domingo, dia 15, foi feita
a abertura da exposição fotográfica “Memórias do Ultramar” na Junta de
Freguesia de Oleiros com apoio da Câmara Municipal, jornal “Oleiros Magazine” e
fotodisco. Uma exposição bem conseguida,
parecendo mesmo uma galeria oficial. Ali estão muitas das fotos de pessoas que
ainda estão vivas mas serviram Portugal nas guerras do ultramar, pessoa que já
faleceram e as que tombaram em combate ou outras situações.
As fotos foram cedidas pelos
próprios ou familiares e devidamente tratadas tecnicamente a preto e branco
pela FOTODISCO de Alberto Ladeira que, como se sabe, prima por um trabalho
muito profissional.
Nesta exposição não se apreciam
peças de arte de um artista mas é mais uma cruzilhada de recordações (várias),
emoções muito fortes, sentimentos variados
e representação do dever cumprido
na defesa da sua Pátria, independentemente de ser ou não ser justa uma guerra
que decorreu desde 1961 até 1975. Uma guerra que não só matou, como deixou
sequelas, traumatismos e muitos mutilados marcas que em tantos “ainda hoje lhes
tira o sono, os apoquentam” decorrentes
do cumprimento do seu dever
A exposição permite várias
leituras da mesma realidade. Ali estão vivências diferenciadas. Uma belíssima
exposição “pioneira a nível distrital ou mesmo nacional”. Isso porque se trata
de uma ideia conseguida por uma Junta de Freguesia que afirma que “é uma
homenagem aos homens da nossa freguesia
que combateram na guerra colonial, homenagem que se estende também às suas
famílias”.
A homenagem foi limitada à freguesia de Oleiros, mas é impossível
deixar de a ligar a todo o território nacional e a todos os militares
envolvidos que frequentemente enchiam paquetes/navios como o Quanza, Pátria,
Vera Cruz, Niassa e outros, deixando no cais de Alcântara familiares, namoradas
e amigos em pranto. Era um adeus para muito tempo e logo para a guerra, lá
muito longe com a incerteza do que aconteceria nos anos seguintes.
O impacto desta cerimónia e exposição foi muito envolvente, tendo a
cerimónia de abertura decorrido no auditório da Junta sendo pequeno para tanta
gente presente. Na Mesa encontrava-se
o
Presidente da Câmara Municipal de Oleiros, José Santo Marques, o Presidente da
Junta de Freguesia, Alfredo Martins, representa da Direção da Liga dos
Combatentes núcleo de Castelo Branco e o Tenente Coronel Pires Nunes que
fez a intervenção principal, num relato na primeira pessoa com um grande
conhecimento dos acontecimentos e as razões com pormenores da guerra em si. Uma
excelente intervenção para quem viveu a realidade e continuou a estudar sobre
esta realidade. Foi o convidado especial para dissertar sobre o tema da guerra
no ultramar e falou das “outras guerras” como a que levou à independência do Congo
em 1960, que a partir daí, sentiu-se uma grande pressão em Angola. Em 1964 foi
a vez da Guiné e no ano seguinte é Moçambique que entra também em guerra. Nos
dados que apresentou, 1240 foram mortos em combate mas no total (também por
acidentes vários) elevou o número para 2070. Oitocentos mil militares passaram
pela guerra do ultramar nesse período que terminou em 1975 de forma conturbada.
No final do seu discurso, Pires de Lima mostrou-se bastante desagradado com a
classe política “que despreza a minha juventude” porque foram “50 anos de
desenganos, 50 anos são muitos anos. Ai tantos que regressaram, ai tantos que
lá ficaram”.
Depois desta intervenção, o
Presidente da Junta de Freguesia, pediu a todos que fizessem um minuto de
silêncio em memória dos militares que faleceram. Fui cumprido. Alfredo Martins
tinha aberto a sessão dando as boas vindas a todos os presentes e agradeceu a
todos quantos contribuíram para que esta exposição se conseguisse tendo
agradecido especialmente aos próprios ou familiares que emprestaram as muitas
fotos que fazem partes dos quadros expostos. Disse que as entregaria
rapidamente e que os quadros, esses, ficariam a fazer parte do espólio da
Junta.
Presidente da Câmara também se emociona
Na cerimónia, como não podia
deixar de ser, usou da palavra o sr. Presidente da Câmara, ainda antes da
intervenção principal, que considerou a iniciativa de feliz e agradeceu à Junta
pela ideia que apresentou desta organização de exposição e “a Câmara apoiou logo
e suportou todas as despesas”. Afirmou ainda
que “esta exposição é diferente de todas as outras, porque neste país não deve
haver quem não tenha um familiar que não tenha passado pela guerra” por isso
justa e diferente. Chamou a atenção para as consequências que esta guerra teve,
quanto a traumas e sequelas que são do domínio público. Fez agradecimentos,
nomeadamente a Alberto Ladeira, João Carrega da RVJ, aos funcionários da Câmara
e todos os que estiveram e estão envolvidos. Disse - “também estive no ultramar
mas foi em Timor durante dois anos e meio e o meu pai faleceu oito dias antes
de regressar com a emoção e alegria pelo regresso do filho, segundo confirmação
médica.”
A voz aos ex-combatentes
“Ontem chorei ao entrar aqui no momento da montagem da exposição”
No final das intervenções da Mesa,
foi dada a oportunidades a algumas pessoas presentes para usarem da palavra.
Foi o que aconteceu. Foram feitas três num clima de muita emoção, carregadas de
sentimentos profundos a dificultar até as suas próprias intervenções. O
silêncio na sala era total. Na primeira das intervenções foi especialmente um
tributo ao nosso amigo Lino, falecido em combate e veio de um companheiro que
desempenhou as suas funções sempre junto dele. Veio para saudar a família ali
presente. Seguiu-se outra que os nervos e a também a emoção o dominaram, mas
não deixou de apresentar o seu percurso enquanto militar e homem da guerra.
Finalmente, Júlio Martins, altamente emocionado e até com alguma dificuldade de
pronunciar normalmente as palavras, deixou muitos dos presentes na sala com a
lágrima no olho. Traçou um quadro realista da forma como se combatia no
Ultramar, mas também as ansiedades nas vésperas das operações, os medos (sim os
medos) que se apoderavam das pessoas “porque só agarrados à fé é que conseguiam
enfrentar as operações em combate ou as patrulhas por terrenos perigosos”. É verdade que muitos morreram por desastres,
mas só da nossa freguesia, três caíram em combate. “As famílias escondiam-nos
essas notícias tristes para não nos aumentarem o sofrimento. A minha geração, a
nossa, deve testemunhar aos mais jovens estas realidades que me marcaram a mim
e tantos outros. Sofremos, muitas vezes calados e depois destes anos os traumas
lá estão nas cabeças de cada um”. Tratou-se de uma intervenção que encerrou a
sessão debaixo da comunhão de sentimentos, porque quase todos ali sabiam bem o
que foi o horror de enfrentar um inimigo em guerra subversiva, instigada cada
vez mais por interesses políticos ( e não só), estrangeiros.
Esta foi uma iniciativa tocante,
como tinha afirmado Pires de Lima.